Um bispo além do seu tempo. Não querendo limitar o seu significado e representação, essa é uma das frases que podem ser ditas para definir Dom Silvério Gomes Pimenta: o primeiro bispo negro do Brasil e primeiro prelado a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL). Importante clérigo brasileiro, nesta terça-feira, 30 de agosto, completam-se cem anos de seu falecimento.
Natural de Congonhas (MG), cidade pertencente à Arquidiocese de Mariana, Dom Silvério “sentiu na pele” as dificuldades pelas quais muitos brasileiros viviam naquela época e ainda hoje vivem: a fome e a miséria.
“De origem muito humilde, viveu em um contexto extremamente difícil. Nasceu numa família muito pobre, sem grandes perspectivas, mas ele teve força interior para acreditar que seria possível transformar a própria realidade e a realidade da família. [Ainda, sofreu] discriminação pelo fato de ser negro. Eram maiores os desafios do que as possibilidades, e eu vejo que isso é muito do que acontece hoje”, afirma Padre José Carlos dos Santos, coordenador do projeto de reedição da obra “Vida de Dom Viçoso”, escrita por Dom Silvério.
Perseverante, sobretudo em sua fé, em meio às adversidades enfrentadas desde o ventre materno, por ser descendente de escravizados, Dom Silvério é considerado para a sociedade atual um exemplo a ser seguido. “Ele nos inspira a acreditar que é possível manter a esperança, a entender que, com a graça de Deus e com empenho humano, é possível fazer um caminho muito bonito tanto espiritual, quanto de crescimento humano”, aponta o Padre José Carlos.
Dono de uma genialidade invejável, Dom Silvério teve a sua vida permeada pelas mazelas do racismo, inclusive, no meio clerical. Conta-se que certa vez, Silvério, na época um presbítero recém-ordenado, viajou à Europa a fim de cuidar da sua saúde. À ocasião, também esteve em Roma onde se encontrou com cardeais e com o Papa Pio IX que, ao vê-lo, questionaram-se se aquele jovem negro entenderia italiano.
Surpreendendo aos presentes, o colega de sacerdócio que o acompanhava respondeu: “Podem falar qualquer uma das línguas modernas, inclusive, latim, que ele irá entender e responder”. Apesar de não se saber ao certo a veracidade desse caso, que segundo Padre José Carlos foi desmentido pelo próprio prelado, o que se pode afirmar é que Dom Silvério encantou a todos. Vale lembrar que, em sua trajetória eclesial, ele ainda atuou por 28 anos como professor de Latim no Seminário São José, em Mariana (MG), além de também ter lecionado as disciplinas de Filosofia e História Universal.
Posteriormente, o jovem Padre Silvério ainda foi convidado pelo Santo Padre a proferir uma homilia. Mais uma vez, a sua capacidade intelectual e pastoral foi questionada. Após a pregação, narra-se que um dos cardeais presentes, espantado pelo desempenho dele, disse: “Negro, porém sábio!”.
Reconhecendo a sua importância nos mais diversos aspectos, a Arquidiocese de Mariana, juntamente com a Faculdade Dom Luciano Mendes (FDLM), está recordando este primeiro século de sua morte. O ponto principal das comemorações é a realização da V Semana Acadêmica Dom Luciano, entre 27 de agosto e 1º de setembro, que neste ano traz como tema “História, Educação, Estado e Igreja: o centenário de falecimento de Dom Silvério Gomes Pimenta”.
Para o Padre José Carlos, essa é uma iniciativa muito feliz da Igreja Particular de Mariana. “Ele é uma figura que se destaca: pelo empenho dele, do ponto de vista dos estudos pessoais, mas por tudo aquilo que ele fez. Depois, ele se tornou um cidadão do Brasil e um personagem de destaque no Brasil e no mundo. Por exemplo, naquele período, não havia ainda uma Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mas havia reuniões dos bispos do Brasil, e ele sempre destacava-se quando se tinha que escrever para Roma um relatório sobre o que os bispos discutiram porque ele era latinista e o documento tinha que ser escrito em latim”, comenta sobre a importância do prelado.
Em Mariana (MG), cidade que lhe acolheu e onde faleceu em 1922, Dom Silvério é homenageado em nome de uma das escolas estaduais locais. Ainda, um município mineiro, localizado no Vale do Piranga e pertencente à Região Leste desta Arquidiocese, também recebeu o seu nome.
Personagem de renome na Igreja no Brasil, além dos pioneirismos já citados, ele foi o primeiro sacerdote ordenado bispo após a Proclamação da República brasileira, em 31 de agosto de 1890. Esse período, especialmente durante a transição inicial, foi difícil para a manutenção financeira da Igreja que, após a separação do Estado e Igreja, já não recebia mais verba do Império. Esse também foi um dos desafios enfrentados por Dom Silvério durante o seu pastoreio.
Nesta Igreja Particular, após sua ordenação episcopal, ele exerceu os ofícios de Bispo Auxiliar de Dom Benevides de 1890 a 1896, Bispo Diocesano de 1896 a 1906 e primeiro Arcebispo Metropolitano de 1906 a 1922.
Padre José Carlos também partilha esse cenário também foi um dificultador para o ingresso do bispo à Academia Brasileira de Letras, fato que ocorreu em 28 de maio de 1920, quando foi recebido pelo acadêmico Carlos de Laet para ocupar a cadeira de número 19.
Enfatizando a qualidade dos escritos literários do prelado, Padre José Carlos recomenda a leitura do livro “Vida de D. Antônio Ferreira Viçoso ― Bispo de Mariana e Conde da Conceição”, trabalho mais conhecido de Dom Silvério e que ganhou uma reedição especial em 2021. “É um texto de um valor muito grande para o conhecimento da história de Minas Gerais, da Arquidiocese de Mariana e do Brasil, mas de literatura e de espiritualidade. O texto é maravilhoso”, defende o sacerdote.
O livro está disponível para venda e pode ser adquirido na FDLM. Para mais informações, entre em contato pelo e-mail financeiro@faculdadedomluciano.com.br ou pelo telefone (31) 98326-6720.
Imagem da capa: Agência Parábola/FDLM
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