*Por Gustavo Geraldo Braz
Bacharel em filosofia pela Faculdade Dom Luciano Mendes – FDLM
Mariana- MG
O negro não deve esquecer sua ancestralidade e sua identidade. Através do dia da consciência negra, ele é convidado a valorizar suas origens e assim ter voz e vez onde quer que esteja, pois o preconceito racial não deve calar àquele que com o seu saber ganhará um crescimento humano e social na defesa dos seus direitos e pelos direitos do seu povo. Na obra Pele negra, máscaras brancas, o autor Frantz Fanon fala do negro que deseja se embranquecer para que seja reconhecido na sociedade, pois se sente rejeitado e por isso quer mudar seu modo de ser e de agir. O meio ao qual ele está inserido o obriga a agir assim. Fanon tem uma percepção muito impressionante sobre o negro, realçando aspectos essenciais para uma boa compreensão filosófica e histórica.
Eu tinha racionalizado o mundo e o mundo tinha me rejeitado em nome do preconceito de cor. Desde que, no plano da razão, o acordo não era possível, lancei-me na irracionalidade. Culpa do branco, por ser mais irracional de que eu! Por pura necessidade havia adotado o método regressivo, mas ele era uma arma estrangeira; aqui estou em casa; fui construído como o irracional; me atolo no meu irracional; irracional até o pescoço (FANON, 2008, p.113).
A diversidade sempre existiu e a história revela os percalços da difícil convivência entre os diferentes. Hoje numa sociedade democrática que exige igualdade e luta pelos direitos, o que os leva a classificar pessoas e produzir hierarquia e produção de valores? Para se olhar para a dominação é preciso antes olhar para os antepassados do começo da história e perceber que muitos foram dominados por diversas maneiras. Em várias perspectivas há ou houve algum tipo de dominação, por exemplo: local onde nasceu, classe social, escolaridade, faixa etária, gênero e até mesmo a opção política.
De fato, o “mito da Modernidade” é uma gigantesca inversão: a vítima inocente é transformada em culpada, o vitimário culpado é considerado inocente. Paradoxalmente, o raciocínio do humanista e moderno Ginés de Sepúlveda acaba caindo no irracionalismo, como toda a Modernidade posterior, pela justificação do uso da violência em vez da argumentação para a inclusão do Outro na “comunidade de comunicação (DUSSEL, 1993, p. 79).
É, portanto, muito necessário o debate, pois é a partir do reconhecimento de um problema que se começa a enfrentá-lo, muitas pessoas pensam que não existiu e nem existe racismo nem exclusão, não se reconhecem dominadas, por isso a discussão a respeito do racismo deve ser fundamental para a conscientização.
Existem várias formas de o escravo resistir à escravidão, desde formas de resistência individual e também coletivas, dependendo de cada circunstância. A primeira delas é o suicídio: havia escravos que preferiam morrer que ter que apanhar, muitos deles entravam em um estado de depressão profunda, entrando em um estado de isolamento e tristeza, preferindo muitas vezes a morte. A maior forma de resistência foi o Quilombo, que é uma comunidade de negros fugidos que vão para o meio da mata para resistirem dos ataques de seus senhores. O maior deles foi o de Palmares, localizado na Serra da Barriga, na então capitania de Pernambuco. Ele foi fundado em 1590 e resistiu até 1694, completando mais de cem anos de existência. Era muito grande, chegando a ter 25 mil pessoas.
O dia da consciência negra é uma conquista realizada pelo movimento social negro. Esse movimento social tem origens no Brasil no final do século XIX. O movimento Negro Unificado contra o racismo escolheu Zumbi dos Palmares como um símbolo de resistência dos negros contra a escravidão e opressão. Esse movimento, que luta pela conquista de direitos para a população negra do Brasil e contra o esquecimento da cultura afro-brasileira, é uma resistência à escravidão no passado.
Enquanto a desigualdade perdurar em nossa sociedade, teremos que reservar um mês do ano para refletirmos a questão racial no país, e buscar soluções para mais inclusão e igualdade. Refletir a questão racial não é vitimismo, e se percebe no cotidiano inúmeras desigualdades que são produzidas por esta opressão. Não é silenciando a questão racial que ela vai acabar. Muitas pessoas dizem que não é necessário um dia da consciência negra, pois temos que ter uma consciência humana, e isto é verdadeiro, mas o que percebemos é que infelizmente ainda não se tem uma consciência humana. Enrique Dussel em sua obra O Encobrimento do outro nos diz:
Os negros são diferentes, e isto não é só pela cor da pele ou pela textura do cabelo, isso vai mais além, remete à sua ancestralidade, sua história e cultura. Foram tirados de suas raízes africanas, e isto entristece. A sociedade quer silenciar o negro, o faz portar como branco para ser aceito, e para sobreviver este acaba aceitando o que lhe é imposto. O negro tem o preconceito introjetado em si não porque ele quer, mas porque os outros o fizeram agir assim. Ele foi encoberto em suas origens, sua cultura foi silenciada.
A esse aspecto reintera Fanon:
Nosso apelo por igualdade deve ser compreendido como uma afirmação de respeito e inclusão de nossas diferenças. Precisamos refletir sobre a consciência negra para que cesse o discurso que se vê tão presente dizendo que não houve escravidão. O discurso de que somos todos iguais é que somos desde que sejamos brancos, pois não tolero esse seu cabelo afro, sua religião é do demônio, não gosto de ter uma mulher como chefe, e assim percebemos uma igualdade que vai silenciosamente eliminando o diferente. Aquele que quer exercer a dominação sobre o outro não o deixa expressar seu pensamento, pois a melhor maneira de dominar é fazer silenciar.
O racismo não é apenas xingar uma pessoa de macaco ou preguiçoso, mais que isso ele é um sistema estrutural de opressão, que favorece quem o pratica e empobrece, limita quem o sofre. “a Igreja denuncia a prática da discriminação e do racismo em suas diferentes expressões, pois ofende no mais profundo a dignidade humana criada à imagem e semelhança de Deus” (Dap,533). A rejeição que a pessoa sofre pelo racismo dói muito, impede a mesma de caminhar livremente, causa depressão, pois a exclusão é dolorida e a pessoa se sente um não-ser.
Todavia, o racismo faz aquele que sofre se tornar invisível, destrói completamente sua vida. Devemos lutar contra todo preconceito racial, pois todos os seres humanos têm a mesma dignidade. Enquanto ainda existir gente pensando que é normal a morte de um negro ou anormal e espantoso um negro ocupando cargos importantes na sociedade, é um sinal claro de que ainda temos sim que lutar e refletir para a conscientização das pessoas a respeito do racismo, e isto sempre, não apenas no mês de novembro.
O processo de conscientização que é ao mesmo tempo de libertação, de fazer o sujeito reconhecer sua humanidade é muito desafiador, mas é uma condição sine qua non para combater o racismo. Nesse sentido, o que faz Frantz Fanon é libertar àquele que está sendo dominado a tomar consciência e sair da sua ingenuidade para ter uma consciência crítica.
Referências
DUSSEL,Henrique. O encobrimento do Outro: a origem do mito da modernidade. Tradução: Jaime A. Clasen. Petrópolis: Vozes,1993.
Documento de Aparecida. Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. São Paulo: Paulus,2008.
FANON,Frantz. Pele negra máscaras brancas. Tradução Renato da Silveira, prefácio de Lewis R. Gordon. Salvador: Edufba,2008.